domingo, 25 de abril de 2010

Caminhando pelas Memórias

           Hoje podia ser a dissipação da monotonia, mas tudo não passou de uma projecção infundada e assim tudo se resumiu a um vazio de palavras destiladas. Olho em meu redor e tudo parece tão simples, a felicidade parece palpável, tudo se consome em sorrisos e palavras soníferas; as lágrimas que me caiem no chão como petardos, são estrondosos estilhaços que trespassam esta barreira harmoniosamente feliz, só porque não fazemos parte do mesmo papel em que estes felizardos foram fotocopiados, não passámos a mero lixo do seu alter-ego.
          Projecções falhadas, caminhos intempestivos onde a luz me dificulta o adormecer, expectativas derramadas sobre o esquecimento. A cidade maquilha-se, dá um toque à noite que contrasta comigo, apenas para me dizer:
          - Se um dia perderes progressivamente alguém no teu coração, não tenhas medo, ela não morreu em ti, apenas terás de aprender a ignora-la até ao dia em que ela reconhecer a tua existência com uma necessidade.

sábado, 24 de abril de 2010

Tu Disseste

Tu disseste "quero saborear o infinito"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo. recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta"
Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir"
Eu disse "..."

Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon. escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo. depois queimo tudo e prossigo a minha busca"
Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

quarta-feira, 21 de abril de 2010

As Cartas Que Nunca Te Escrevi

Caiem mortas no chão
As cartas que um dia te escrevi,
Eram cegas, surdas e mudas
Aquelas palavras que sumiram
No teu esquecido coração.
Já não me lembro o que escrevi
Naqueles momentos que me consumiram
A realidade que eu fingia não sentir
Só para te ver mais uma vez sorrir,
Era isso que importava, era isso que ainda hoje quero,
Mas deixei de conhecer quem espero
E perdi tudo o que um dia te escrevi
Ou fiz, não interessa,
Acontecimentos passaram a meras perguntas
E as cartas que um dia te escrevi,
Que nunca passaram de desconhecidas,
Para ti, circunstâncias das nossas vidas
Que morreram no dia em que perdi
As cartas que nunca te escrevi.

sábado, 17 de abril de 2010

Tempo

           O tempo não foi só feito para nos propagar por espaços indefinidos, às vezes também merece ser utilizado, perder-se nele observando o Mundo. Esta noite o céu está abismal, está estrategicamente pintado de estrelas d’alva, daquelas que nunca me vieram adormecer ao sabor de uma voz ténue, mas que continuam esbeltas e graciosas por abrilhantar um azul que dorme no céu sobre o olhar de quem passa maravilhado com a esplêndida noite que nos está a ser presenteada pelo tempo que passa. O sol, esse fingido caminhante intempestivo, dorme descansado no silêncio da noite, fechou os olhos na indiferença da escuridão, mas nisto começa a chorar, caiem pingos aleatórios, diagonais sobre o alcatrão, tornam-se agressivas estas lágrimas sem motivo aparente ao ponto de domar o tempo com tons melancólicos, dissipando toda uma atmosfera mística em algo megalómano. A noite perdia o seu encanto natural, as estrelas perderam-se na imensidão do céu e o tempo, essa constante da vida, trouxe um sol apático, daqueles que contam histórias, breves passagens aproveitadas pelo tempo para descansar no silêncio que agora chegou e que assim me deixou. Parei aqui num dia…

domingo, 4 de abril de 2010

Sociedade ao Sabor de um Café

              Lanço-me ao caminho, a noite está instável, não demorei muito a chegar ao destino, misturando gotas com brisas gélidas, entrei no Vila Baixa quando ainda escasseava a afluência, sento-me numa mesa, não demora a chegar um café quente misturado com um pouco de simpatia, mas ainda mal acabava de o saborear quando começou uma invasão de desconhecidos e conhecidos de vista e pessoais, é notável a quantidade de rostos bonitos, sobretudo desconhecidos, depositados em fragmentos de tecido, algumas são mesmo hinos à beleza, nota-se que foram concebidas em noites ou dias de grande inspiração, os meus parabéns.
             Já não restava mais o sabor do café em mim quando me apercebi que nenhuma daquelas deusas olhou para mim, aquele corrupio apropriou-se do Vila e deixou-me de fora, um nervosismo súbito abate-se sobre mim, sem demora puxo um cigarro esquecido ou perturbado, mas deixei de fumar, aliás nunca fiz deles um vício, os cigarros são apenas o espelho da alma e não me apeteceu fumar mais um cigarro cansado; ao som dos geográficos Jáfumega cresce dentro de mim outra vontade, a de pedir um copo de absinto para dar de beber à rejeição, mas a sucessão que iria iniciar a decepção, na sóbria manhã seguinte não apagaria aquele deslocamento que senti no Vila e chegaria à mesma conclusão, o Mundo é só para modelos e assimilares, o resto é lixo social. Levantei-me, paguei e voltei para onde sou mais um vizinho.