terça-feira, 12 de julho de 2011

Sábio


            Recordo com saudade uns tempos distantes, noites de calor em que o pessoal se juntava ao pé do café a conversar sobre um pouco de tudo, as horas pareciam insuficientes para acompanhar tanta sabedoria, eu como qualquer miúdo ouvia delirante todos aqueles devaneios, todas aquelas aventuras, mas houve um dia, como me poderia esquecer desse dia, o dia em que discordei de uma das pessoas mais sábias que eu conheci e hoje vejo que ela tinha toda a razão quando dizia: “Por vezes uma guerra existe não porque queremos, mas porque é necessário alimentá-la”, estas palavras pareciam-me tão desadequadas e mesmo assim aquele homem que eu coloquei em causa a sua sabedoria nunca me deixou à deriva, ensinou-me a crescer, a sua imortalidade não estava no seu corpo, mas nas suas palavras, ele que parecia saber sempre o que dizer mesmo na situação mais caótica, por vezes era ridículo não por dizer: “Ainda bem que existe pessoas brilhantes, para compensar a falta de talento dos que se julgam importantes”, mas porque se achava irrelevante só porque não sabia pegar numa caneta e extrair de lá em palavras toda a sua importância, hoje o homem que recordo respondeu-me categoricamente sobre uma das maiores injustiças que conheci, um amigo meu com aspecto diferente no seu princípio de convivência com a sua própria terra era marginalizado e eu numa conversa com esse sábio perguntei-lhe: “Porque é que Deus fez alguém assim para estar sempre a ser gozado?” e ele ternamente me respondeu: “ Porque Deus não lhe achou qualquer defeito”.
                Esse sábio há muito que nos deixou e hoje talvez num momento de desespero ele fazia-me falta, precisava da sua voz para me ajudar a encontrar o caminho, como daquela vez que eu fui tratado como lixo e ele me reconfortou dizendo: “O nosso corpo é só uma defesa da nossa verdadeira identidade, repara, os manequins das boutiques são elegantes e úteis, mas falta-lhes o essencial, cabeça e coração, também há pessoas assim, mas a vida mostrou-me que os corpos menos confiantes de si mesmo escondem as almas mais puras, funcionam como escudo da sua própria bondade, se ela não percebeu isso, é porque não tinha de ser assim, a dor é passageira se não for alimentada...”, porque eu hoje percebo as suas palavras, eu hoje sei o que é estar numa guerra sem querer, mesmo assim estar lá sem ceder posição para talvez transformar algo em muito melhor, alimentar os extremos, como o céu e o inferno estarem em pólos diferentes e em tantas vezes parecem estar conjugados aqui na terra, então procuro respostas, leio Pessoa, vejo filmes, ultimamente tenho visto com frequência o V for Vendetta e lembro o meu sábio amigo dizendo: “Uma segunda oportunidade é o maior acto de inteligência da raça humana, raro é alguém conseguir uma…”, oiço uma amiga que em tantas vezes parece ser a encarnação daquele sábio, podia até comprar algumas garrafas, decerto elas me dariam um estado dimensional para irresponsavelmente quebrar as regras e serviria também de álibi para o agravamento do erro, no fundo agiria como qualquer pessoa age em desespero, no fundo este texto serviu para recordar um grande homem que tinha como lema de vida: “Pratica o erro até ao limite da perfeição, pratica o raro, não ligues ao que os outros dizem, mantêm-te original...”, um homem que também sofria e que precisava de ajuda, e eu nunca o soube ajudar, nem entender quando ele disse: O que uma pessoa às vezes precisa é de uma pessoa que nos trate mal, e não de uma pessoa que nos deixe de tratar bem…”, ele nunca consegui superar a partida da sua mulher e da sua filha, e é embargado nesta tristeza toda que a minha aprendizagem do legado daquele mestre me assume a voz para te dizer: “Devias transformar o teu coração numa sala de estar, numa casa onde os teus amigos pudessem ficar em segurança sem medo de falhar, num refúgio para apaziguar as almas agitadas que procuram a tua protecção, a tua sabedoria; acaba com esse armazém selado de rancor e ressentimentos, com essa bomba prestes a explodir a quem ousar compreender o seu trabalhar.”             

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