quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mendigo

O luar já alcança no alcatrão a sombra do meu ser,
Passam despercebidos fumadores de rasgados sorrisos
Entrelaçados em calças tão sujas e rasgadas como as minhas,
Deles apenas o cabelo desgovernado se equipara comigo,
Olharam para o moribundo estatelado no caos de uma calçada,
Aqui nesta cama de solidão misturada com vidros verdes e castanhos
Estou eu cansado, dorido, envergonhado, cortado; vejo o meu orgulho desbotado no chão.
Não peço dinheiro ou comida, peço algo mais, peço apenas sonhos,
Mendigo esperança, tento percorrer estas ruas até à inexistência,
Mas hoje, mais uma vez, lembrei-me nesta noite fria o motivo pelo qual estou nesta situação,
Lembro-me que tu nunca me disseste obrigado ou desculpa, errar para ti não era opção;
E lembro-me ainda, vagamente, de pessoas, talvez amigos, perdi as suas identidades,
Mas lembro-me dos seus rostos, dos momentos pelo qual passamos juntos;
Tento apagar a minha imagem dos poucos corações que ainda sabem quem sou,
Na vida existe momentos em que é preciso nos esquecermos que temos passado,
O sol, a chuva, o vento, a sombra, sobretudo a que de mim sai, já é castigo suficiente.
Paro de pensar, baixo a cabeça ao passar um grupo mais agitado,
Sinto o seu desprezo, como o das pessoas que me viraram as costas quando parti,
Não passo de mais um mendigo, um desperdício de sociedade rendido à mediocridade de viver,
Ninguém sobrevive de sonhos, mas também ninguém vive sem eles. E eu perdi os meus,
Perdi o teu olhar neles, pelo meu imaginário há vazio, faz tanto frio neste esquecimento,
E por isso mendigo sonhos, na esperança de te voltar a encontrar
Pela razão mais egoísta de todo o Mundo, a minha Felicidade.
Se ainda houver luz nesse coração apagado, nessa ilusão de correspondência,
Nessa casa onde nunca fui dono, nem convidado, fui apenas um nome que apareceu,
Desculpa, acima de tudo, por ter desistido, por ter deixado de saber sonhar,
Por ter deixado de sorrir, de acreditar em ti, em nós, o teu Mundo fez-me o mesmo.
Juntei no céu com o olhar as estrelas que via, desenhei com elas um homem melhor, um homem como eu nunca consegui ser,
Se estivesses aqui, de certeza que ias gostar.

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