domingo, 21 de junho de 2009

Confissões de um Lobisomem

O dia admiravelmente ainda consegue acordar, nesta manhã submersa em tiros furtivos e de água que cai estrepitosamente. Já acordei, mas os meus olhos continuam fechados com medo, porque não quero ver o que fiz. Parou de chover e o sol assume o seu lugar de destaque com um ar inocente e irrequieto, pois está a utilizar a sua luz na minha cara como incentivo à minha desgraça e eu do alto da minha voz cavernosa digo já chega, levantei-me e embrulhei-me num cobertor para tapar a minha nudez e as minhas roupas rasgadas da noite que passou.
Estou estoirado, mas ainda consigo andar para ver como estou, alcanço um espelho para ver minha cara devastada de sacrifício, mas hoje regresso para a minha casa, para o pé da minha família e dos meus amigos. Acabou, está tudo destruído, é um cenário desolador de devastação. Porque é que eu não me consigo controlar, não consigo raciocinar direito no que fazer, não consigo perceber a quem recorrer?
Em certas alturas dos meses saio de minha casa e venho para aqui, para o alto do ninho do falcão, para estar longe dos que amo, porque quando a lua se ergue cheia ao som das doze badaladas o meu corpo gela, o meu coração dispara por causa do sangue dar lugar ao veneno, consigo pressentir animais de sangue frio insaciáveis pelas suas presas, a roupa cede perante o crescimento imparável de meus pêlos, minha voz fica feroz de raiva e com apetências para uivar como um lobo megalómano, sinal da transformação de todo o meu corpo em um Lobisomem e é aí que começa o meu dia de matança percorrendo sete vilas acasteladas numa hora como forma de quebrar a minha maldição diária, destruindo tudo o que se puser no meu caminho, dilacerando a paz que tanto imploram nestas noites iluminadas pela luz dos demónios.
Recomeçou a chover e eu aproveito para lavar o meu corpo do sangue que na noite anterior foi derramado e a minha alma, enxugo-me na esperança e visto-me para regressar ao meu casebre de alegria e para ir à igreja rezar pelas minhas vítimas e por mim, porque em dias assim perco o meu controlo e devoro léguas de chacina que caiem a meus pés, mas por este mês estou descansado, já não há lua cheia. Estou amaldiçoado de viver como um animal ao lado destas presas provocadoras e nestes dias faço-lhes a vontade de as matar.
Serei uma aberração ou um justiceiro que promove a morte como forma de se alimentar e de lei, recriando o pânico na desordem que se instala nestas noites onde se suplica pelo aparecimento do sol? Está instalado um clima de terror e se calhar já suspeitam de mim, mas se tiverem essa ousadia, eu, quando a noite for iluminada por Lúcifer, arrancáreis-lhes o coração e quando o sangue jorrar em meu corpo vou uivar como sinal da vitória sobre as presas que se armam em caçadores de lobos, como eu. Que a paz nunca dure em noites assim, mas hoje sou homem e vou continuar a ser aquele rapaz doce, nem que seja para disfarçar a minha capacidade de dor e a que protagonizo nas minhas vítimas subjacentes à minha maldade.

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